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Unidade e Eternidade

    Temos de reconhecer que a assimilação das ideias de Unidade e Eternidade não é automática e, muito menos, fácil.  A Unidade ou o Todo, como quisermos chamar, pertence a uma dimensão em que os opostos ainda estão indiferenciados. Ela engloba tudo; nada existe fora dela e tudo o que se disser sobre a Unidade será em termos negativos, ou seja: sem tempo, sem espaço, sem modificação, sem limites... Todas as afirmações positivas implicam numa qualificação e, portanto, numa comparação, originando-se assim da polaridade.

     Podemos falar e discorrer sobre essa Unidade, mas poucos conseguem imaginá-la ou senti-la em si. É possível,  de certa forma, experimentá-la por meio de certos exercícios e técnicas de meditação que nos ajudam a ter lampejos efêmeros de consciência unitária.  Porém ela sempre escapa a uma descrição oral ou a uma análise intelectual, pois o nosso raciocínio usa sempre a polaridade como pressuposto.

      Não é possível o conhecimento sem a polaridade, sem a divisão entre sujeito e objeto, entre conhecedor e conhecido.  Na Unidade não há conhecimento, somente o Ser, não há nada fora dele.  Nela não existem anseios exteriores, não existe desejo, querer ou esforço. Trata-se do antigo paradoxo: só podemos encontrar a plenitude no Nada.

     Temos uma consciência polarizada que cuida para que o mundo também assim nos pareça.  É importante perceber que não é o mundo que é polarizado, e sim a consciência com a qual olhamos para ele.

     Para exemplificar a lei da polaridade em ação, visualizemos a respiração – uma vivência direta de polaridade.  Inspiração e expiração ao se alternarem criam um ritmo que nada mais é do que uma alternância entre dois polos.  O ritmo é o padrão essencial de toda a vida, o que é confirmado pela física quando ela diz que todos os fenômenos podem ser reduzidos a vibrações.  Se destruirmos o ritmo, destruiremos a vida.  Quem se recusa a expirar não poderá mais inspirar – a inspiração depende da expiração, uma não pode existir sem a outra, seu oposto polar.  Um polo depende do outro para existir e se eliminarmos um deles, o outro também desaparece.  Da mesma forma, a eletricidade depende de dois polos para existir; suprimindo um, ela deixa de se manifestar.

      Uma outra vivência de polaridade pode ser conseguida através da figura a seguir. As duas possibilidades de imagem que podem ser percebidas dependem de considerarmos a superfície branca ou a preta como segundo plano.  Se a superfície preta for considerada como fundo, vemos um vaso no primeiro plano.  Na opção contrária, escolhendo como fundo a superfície branca, teremos dois rostos de perfil em primeiro plano.

Faces na Polaridade.png

     Os dois elementos da imagem, vaso e rostos, estão simultaneamente contidos no quadro, mas obrigam o observador a tomar uma decisão no sentido de um ou outro. Ou vemos o vaso ou vemos os rostos. Na melhor das hipóteses, podemos vê-los em sequência, mas não existe a percepção simultânea. Neste caso também, se um dos polos for retirado, o preto ou o branco, tanto faz, o quadro todo desaparece.  Um polo depende do outro e precisa dele para existir.

     Esta alta dependência de um polo em relação ao outro, caracterizando dois opostos complementares, nos mostra que por traz de toda polaridade está uma Unidade que nós, humanos, não podemos reconhecer nem perceber.  Assim, somos obrigados a dividir cada Unidade de realidade em dois polos e a contemplá-los, um depois do outro.

     Este fenômeno poderia sem dificuldade ser apontado como a própria origem do tempo, uma ilusão que deve a sua existência exclusivamente ao funcionamento polarizado da nossa consciência.  As polaridades são expulsas do útero da Unidade como aspectos gêmeos de uma só e mesma Unidade, aspectos que, no entanto, só podemos apreciar consecutivamente, um depois do outro.  Depende, pois, do nosso ponto de vista, qual dos lados da medalha iremos ver.  Numa observação superficial, as polaridades parecem oposições que se excluem mutuamente; um olhar minucioso constata que, juntas, as polaridades formam uma Unidade e que sua existência depende uma da outra.  A ciência fez esta descoberta incrível quando pesquisava a luz.

    Houve, em certo ponto das pesquisas, duas opiniões opostas sobre a natureza dos raios luminosos: a teoria ondulatória e a teoria das partículas e, ao que parecia, uma excluía a outra – quando a luz se compõe de ondas ela não contém partículas e vice-versa. Com o desenvolvimento da pesquisa ficou claro que a teoria “ou... ou...” estava errada. A luz tanto é composta por onda como por partículas.  Podemos, até, reformular essa frase: a luz nem é onda nem é partícula, ela é uma Unidade.  Como tal, não pode ser entendida pela consciência humana polarizada e assim ela se mostra para o observador apenas em relação ao modo como ele se aproxima dela – num caso como ondas; em outro, como partículas.

      A polaridade é como uma porta em que num dos lados está escrito Saída e no outro Entrada. Continua sendo a mesma porta, mas dependendo do lado pelo qual nos aproximamos, vemos apenas um dos seus aspectos. Devido a esse impulso de dividir a Unidade em seus aspectos, os quais somos obrigados a contemplar um depois do outro, surge o tempo, pois somente através da observação de uma consciência polarizada é que a unicidade pode ser transformada em uma coisa depois da outra.

Assim como a Unidade está por traz da polaridade, a Eternidade está por traz do tempo.  Contudo, temos de entender que a Eternidade tem o significado metafísico de ausência de tempo e não representa, como é entendida, inclusive pela teologia cristã, como um longo e interminável período de tempo.

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