ARCANO XIV – A TEMPERANÇA LEI XIV – LEI DO PRAZER
PARTE 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A FELICIDADE
Resolvi iniciar o estudo desta Lei fazendo comentários sobre algumas energias que permeiam este Arcano e a Lei por ele representada, pois as ideias aqui apresentadas podem formar um colchão mais confortável para sustentar o entendimento do que virá a seguir.
Existe um dito popular que afirma que “gosto não se discute”. Este é um dos fundamentos que sustentam a individualidade humana, pois não há como negar que as pessoas têm preferências diferentes. É comum ouvir que os que são influenciados por esta Lei só fazem aquilo que gostam e, portanto, acabam parecendo egoístas, aos olhos dos outros. Esta é uma verdade que deve ser olhada na sua verdadeira perspectiva, pois é uma tendência natural percorrer o caminho da forma que mais nos agrada. Caso o façamos de forma diferente estaremos, de alguma forma, renunciando a algo que nos é caro e, assim, é bom termos um propósito que justifique esse comportamento pois, caso contrário, estaremos sujeitos a desenvolver um “buraco” energético, como descrito na Lei XII, cujo preenchimento será buscado através de cobranças de reconhecimento, o que quase nunca surte o efeito desejado.
Esta energia pode assumir vários aspectos, dependendo do nível vibratório considerado. O primeiro deles é o Prazer, aqui entendido como algo físico e imediato. Este é um sentimento que costuma se esgotar rapidamente, uma vez atingido o clímax da ação empreendida, seja ela de que natureza for, desde o estímulo de um sentido até a obtenção de uma emoção passageira. O que caracteriza o Prazer é a momentaneidade que lhe empresta uma natureza basicamente física. Ele ocorre no nível mais baixo de vibração e está sujeito ao “enjoo”.
Num segundo patamar poderíamos situar a Alegria. Este é um estágio que exige a participação da Alma. É o nosso primeiro contato mais imediato com ela. Em suma, o Prazer se esvai rapidamente se um anseio da Alma não estiver sendo preenchido. É um estado que pode decorrer de um evento específico que proporcionou um sucesso desejado pela Alma. Sendo um estado emocional, dificilmente será permanente, podendo até se estender e iluminar por algum tempo outros aspectos da vida, mas estará sujeito a ser revertido por decepções. A Alegria não decorre automaticamente do Prazer, o que só poderá ocorrer quando a alma estiver envolvida. Trata-se do alcance de um nível vibratório mais elevado que, uma vez alcançado, pode trazer o Prazer para um nível superior e mais abrangente. É mais fácil ter Prazer quando se está alegre. Seria quase possível tirar Prazer de uma viagem realizada em estado de depressão.
O terceiro nível é o da Felicidade. Uma visão interessante é a de que este é um estado que nunca seria plenamente alcançado, pois ele está ligado ao Espírito, que não é realmente propriedade nossa. Ele é o vínculo que nos liga ao Todo, algo inatingível no nosso nível dimensional e funcionaria como uma memória da nossa origem, gerando uma expectativa de regresso e fazendo dela – Felicidade – uma busca permanente pelo acesso pleno àquele patamar. O nosso Ser não consegue refletir plenamente todos os atributos do Espírito – uma entidade perfeita – porque o nosso veículo de manifestação, o Corpo, não consegue acomodar todo o seu potencial. A parcela de Espírito que nos cabe – nosso Eu Superior – vive tentando se comunicar conosco, pelas mais variadas formas, mas a nossa mente, na maioria dos casos, faz ouvido moucos aos seus esforços, por estar cheia de pensamentos conflitantes e sem significado para o nosso crescimento espiritual. Os estados de Felicidade precisam ser fundamentalmente participativos, isto é, só podem ocorrer quando se está contribuindo para o nosso entorno. Eles são Universais e se desprendem da mera satisfação dos desejos da alma que, por motivos óbvios, está sempre mais preocupada em se construir. Poderia ser válido dizer que nos momentos de Felicidade estamos definitivamente ajudando a construir a nossa Alma, mas que nem sempre os momentos de Alegria são Universais.
A permanência da Felicidade só poderia ser alcançada na “Bem-Aventurança” um estado de plenitude inatingível pelos encarnados e, possivelmente, nem por qualquer entidade que necessite de uma Alma para garantir a sua continuidade, pois esta também é matéria num nível mais sutil. Ela seria, assim, um estado de energia pura, algo que por mais que nos esforcemos em entender, foge à nossa compreensão. Certamente, no entanto, ela deve excluir a individualidade diferenciada, algo que para nós é difícil aceitar naturalmente.
Mais uma vez, o uso frequente do condicional ao longo do texto reflete a intangibilidade do tema que só pode ser abordado em termos de hipóteses e analogias.
A postagem seguinte tratará do simbolismo deste Arcano.
ARCANO XIV – A TEMPERANÇA LEI XIV – LEI DO PRAZER
PARTE 2 – SIMBOLISMO
O simbolismo do Arcano XIV, assim como o de qualquer outro, precisa ser sentido sem nos prendermos aos paradigmas que nos são impostos pela mente racional.
Na parte superior, entre os planos espiritual e mental, vemos o sol projetando sete raios visíveis e sete invisíveis – sete pontas projetivas e sete receptivas – representando os princípios masculino e feminino que devem estar equilibrados, para que a totalidade humana possa se manifestar. Representa a eterna atividade da vida e a íntima relação de afinidade entre os opostos. Representa a necessidade da associação da vontade masculina com a imaginação feminina como caminho para promover a subida da energia criadora. A invisibilidade dos raios que se projetam para os Planos mais densos se deve, provavelmente, à dificuldade de propagação das energias mais sutis nesses ambientes.
A entidade figurada no Plano Astral intermediário como uma mulher, representa um Gênio Solar portando duas ânforas entre as quais são mesclados dois elixires. Nesta ação nem uma só gota é perdida e não se pode dizer qual vaso está vertendo para o outro, pois a figura não sugere nada. Apenas se pode afirmar que a troca é permanente e atemporal. Representa o equilíbrio entre as emoções, entre os vícios e as virtudes, a reciprocidade dos afetos.

Note-se que a cabeça da mulher mergulha no Sol dourado que emite seus raios e invade o Plano Espiritual. O significado dessa representação sugere a necessidade de clareza mental para receber as emanações dos Planos superiores e de uma elevação mental para que isso seja possível, devido às fraqueza e impureza dos “sinais” ao se propagarem no nosso ambiente, o que está representado em todos os Arcanos pelo chuleado do Plano Material inferior.
O gesto de verter o líquido de uma ânfora para outra, faz alusão à destilação, à purificação, à evolução da matéria. É a entrada do espírito na matéria, símbolo de todas as transformações espirituais.
A presença do triângulo e do quadrilátero nas suas vestes indica que já foram incorporados os sete princípios e que os sete corpos já estão presentes no ser.
No plano material as três flores e a subida da serpente por uma delas, a do centro, também alegorizam o equilíbrio entre os opostos para que a força vital possa se manifestar plenamente em analogia à subida da Kundalini pelo Nadi central Sushumna com o equilíbrio conseguido pelos outros dois Nadis, Ida e Pingala.
Hermeticamente, o Arcano XIV é chamado em alguns Tarôs de “O Alquimista” o que aponta para a sua característica transmutadora. A quantidade de energia necessária para realizar essa transmutação será tanto maior quanto maior for o desequilíbrio entre as polaridades. O fluxo livre e permanente do elixir da vida entre os dois receptáculos permite a transmutação representada por algo novo que é criado a partir da integração Espírito-Corpo na medida em que os dois se fundem de forma definitiva. O equilíbrio entre a receptividade e os impulsos da vontade, é absolutamente necessário para a harmonia do corpo astral, isto é, para criar um mundo interno, completo, no âmago do ser humano, em busca da androginia divina.
Bernardo de Claraval (Reformador da Ordem de Cister, Doutor da Igreja canonizado como São Bernardo ) formulou a Doutrina da Imagem e da Semelhança Divinas do homem. Segundo ela, no início da criação as duas coincidiam. Pela Imagem ele teria a liberdade do arbítrio e pela Semelhança as virtudes. Aos poucos, no entanto, esta coincidência foi desaparecendo: a imagem permaneceu intacta, mas a semelhança foi se perdendo. Segundo São Bernardo, a imagem seria a estrutura essencial do ser humano e a semelhança o conjunto das funções ou a estrutura funcional. São essas duas energias que teriam os seus fluidos trocados pela ação do Gênio Solar, a fim de aproximá-las uma da outra.
Este Gênio já foi chamado por muitos nomes: Eu superior, Eu interior, Anjo da Guarda, entre outras nominações. Observe-se a posição do Arcano XIV na Cabala – na Árvore da Vida. Ele é o caminho entre Tipheret e Yesod – o Sol e a Lua, o masculino e o feminino, a unidade e a dualidade, a consciência e o inconsciente. Ele é o veículo de acesso à memória, a recordação perpétua da semelhança primordial, da eternidade buscada pela Alma.
Numerologicamente, numa outra oitava, o Arcano XIV carrega a mesma energia da Lei V (1+4=5). O cinco estabelece uma ponte entre o Divino e o Profano, origem da fé. Da mesma forma, o quatorze estabelece uma ligação entre a Consciência e o Inconsciente, entre a Essência e o Ego. Por outro lado, ele é também 2x7, ou seja, a integração entre as polaridades existentes que dividem as manifestações dos corpos do ser.
ARCANO XIV – A TEMPERANÇA LEI XIV – LEI DO PRAZER
PARTE 3 – REFLEXOS NA VIDA REAL
Os comentários apresentados nas duas partes anteriores que tratam deste Arcano buscaram preparar o terreno para o entendimento dos efeitos das energias dispensadas nesta Tríade.
O entendimento do verdadeiro significado da Temperança é de grande valia no contexto ora abordado. O sentido geral, o termo remete a equilíbrio, no entanto, analogamente à Física, a Temperança aqui considerada se identifica com o Equilíbrio Dinâmico, ou seja, aquele no qual existe movimento. O que significa isso?
De nada adiantaria alcançar um equilíbrio, caso ele não consiga produzir algo de útil. Como ilustração vale lembrar que o Arcano XIV da Temperança também é chamado em alguns Tarôs de “A Arte”, o que é fácil de compreender. Harmonizar coisas diferentes, ideias contraditórias, aspectos conflitantes de situações, é a essência do trabalho do artista em qualquer área. Matérias primas, cores e ideias, das mais variadas naturezas, são manipuladas pelo artista para produzir algo novo, belo e útil para o mundo e para ele mesmo. Escultores, pintores, escritores, cientistas, decoradores, esportistas... Todos usam seus talentos naturais para produzir beleza e utilidade.
Nem sempre as coisas das quais gostamos são aquelas para as quais temos habilidades naturais. Além do mais, saber exatamente do que gostamos é uma tarefa que pode não ser tão fácil como aparenta à primeira vista. Podemos desejar ser um jogador de futebol, uma bailarina, um cantor/a, ou um médico, mas será que isso vem do amor à atividade ou da perspectiva de prestígio, fama ou riqueza que podem proporcionar? Mesmo que nossas habilidades naturais não conduzam diretamente à possibilidade de abraçar o que gostamos, temos de usá-las para construir o caminho que permitirá que isso aconteça. Já sabemos que a vida não é feita apenas de sucessos – os reveses também fazem parte dela, sendo deles tiradas as maiores lições. As habilidades naturais são ferramentas de desenvolvimento e não devem ser usadas em vão, sem produzir nada de novo e que nos acrescente novas capacidades.
Aos poucos é possível perceber que o prazer, a alegria ou os momentos de felicidade não são necessariamente decorrentes do uso da habilidade natural e sim do alimento posterior que retorna daquilo que conseguimos transformar em obra acabada e, na maioria dos casos, não é sem esforço e sacrifício (Sacro-Ofício) que ela é construída. Fazer o que se gosta não significa, portanto, fazer apenas o que não exige esforço, caso contrário, nada de novo será produzido. O almejado nem sempre está à vista ou pode ser imediatamente percebido pelos que estão de fora.
Lutar para afirmar a sua individualidade e perseguir seus objetivos é praticar a auto-observação, em atendimento ao alerta do Gênio Solar do Arcano que nos aponta o caminho da Consciência, mas não pode interferir na decisão, nem afastar do caminho as dificuldades e obstáculos. Os que atendem a esse chamado conseguem tornar a vida mais bela, influenciar o ambiente através da manifestação de uma energia vital harmônica que magnetiza e atrai as pessoas. A autoestima que se desenvolve pode dar a impressão de egoísmo e pouco apreço aos que estão à sua volta, mas decorre apenas de uma mudança energética, que não faz mais determinadas concessões, e que não pode ser percebida por aqueles que não atingiram o mesmo nível. Quando os valores mudam, não é de se estranhar que vários gostos também sejam alterados.
É a autoestima que faz com que gostemos de nós mesmos, e consigamos enfrentar com sucesso as dificuldades, afrontas e insucessos sem nos deixar abater ou ofender, pois estaremos sempre cônscios de nós mesmos. Ela também faz com que não nos afastemos do caminho escolhido devido a eventuais reveses que sempre podem ocorrer. Os que conseguem desenvolver a autoestima relacionam-se com facilidade e se destacam nos ambientes que frequentam, pois têm grande facilidade de ambientação.
No entanto, nem tudo são flores. Se não soubermos lidar com o outro lado da energia, quando os insucessos ocorrerem, e eles sempre ocorrerão, várias possibilidades terão de ser administradas. Pelo lado mais ameno, aparece a já comentada tendência a fazer apenas o que gosta, o que traz como consequência Indisciplina e descompromisso, pouca atenção às outras pessoas e a seus interesses, além de aversão a cobranças, obrigações e rotinas. Por um lado mais sombrio, a diminuição da autoestima pode levar à estados frequentes de melancolia, sempre que não se consegue tirar da vida o prazer desejado. Surge então a tentativa de substituir essa ausência por sensações imediatas e artificiais, criando uma tendência a descarregar as mágoas e preocupações através de vícios que podem variar numa escala bem ampla, desde a gula, passando pelo fumo, bebida, sexo, podendo chegar à dependência química.
O entendimento da atuação desta Lei faz saltar aos olhos a verdade de que uma energia nunca pode ser qualificada como boa ou má. É o uso que fazemos dela que a qualifica. A mesma energia pode levar aos extremos de alegria e felicidade, ou a resultados desastrosos capazes até de tirar a própria vida – tudo vai depender da maneira como ela for entendida e utilizada.
