Reflexões sobre a Natureza do Perdão
A proposta a ser exposta neste artigo é a de que só pode existir um tipo de Perdão - o Perdão a si próprio – a única e mais difícil atitude que torna desnecessário, ou mesmo impossível, qualquer outro tipo de Perdão.
É bom que se frise tratar-se de uma visão que não pretendo impor a ninguém e que decorre naturalmente dos estudos que venho realizando há muitos anos no campo do Autoconhecimento. A oportunidade dessa abordagem segue-se ao encerramento do estudo da terceira Tríade dos Processos Humanos, em especial da Lei VIII que é simbolizada pelo Arcano da Justiça no Tarô Egípcio. A leitura dos textos (três partes) sobre essa Tríade e Lei, publicados também no Facebook, pode ser de grande valia para a correta interpretação desta reflexão. Não há como falar de Justiça sem deixar de considerar a importância do Julgamento, do Perdão e da Absolvição. Nesta reflexão estamos pressupondo que o Perdão se aplica a uma situação em que a infração foi constatada como existente, enquanto a Absolvição tem como base a não constatação de infração.
Por mais que me esforce, nunca consegui encaixar no contexto do Conhecimento que até aqui consegui explorar a ideia pregada pelas religiões, em geral, de pedir perdão a Deus pelos pecados cometidos. Vou tentar explicar.
Dentro da ideia de Deus passada pelas religiões estão incluídos os seus atributos fundamentais de Onipotência, Onisciência e Onipresença o que, na prática, significa que Ele representa o Todo, a Unidade indivisível e, portanto, “habita” um ambiente onde não existe Sujeito nem objeto, desprovido portanto, de dualidade – o Todo contém tudo – então, perdoar como? A Quem? Considerando que o Ser Humano faz parte deste todo num Universo Mental, segundo o Primeiro Princípio Hermético. Afinal estamos falando de um Deus Absoluto, ou de uma figura antropomorfizada - um Demiurgo? Até mesmo sob um enfoque mais materialista, essa postura parece contradizer a própria crença de que Deus é bondade, porque Ele nunca se sentiria ofendido por um dos seus filhos. Simplesmente os aceitaria como são, com todas as suas falhas e defeitos. Ou será que Ele se sentiria “ofendido” a ponto de exigir um pedido de Perdão ao qual ele atenderia de forma magnânima? Para um Deus de Bondade o perdão seria automático e desnecessário.
No rito do Sacramento da Confissão, as palavras do Sacerdote são :” – Eu te absolvo de todos os teus pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo”. Ele não perdoa em nome de Deus. Talvez essa forma retrate exatamente a ausência de “ofensa” contra aquele Deus em nome do qual ele fala. A obrigação de “confessar” a um Sacerdote parece ser, principalmente, uma afirmação de submissão do “Fiel” ao Poder da religião, muito mais do que um requisito para ser “perdoado”.
Quem se ofende, na realidade, não é o Ser, é a nossa “Sombra”, ou seja, todos aqueles conteúdos que enterramos no nosso inconsciente, por não queremos olhar para eles. Fazendo isso, apenas estamos confirmando que não conseguimos nem amar a nós mesmos, pois estamos renegando manifestações reais do nosso próprio Eu, ao nos recusarmos a olhar para elas. Aceitar o que somos, na íntegra, corresponde a trazer para a luz da consciência o que está escondido na sombra. É a conquista da autoestima, do amor por si mesmo, única maneira de permitir que amemos também o próximo, por deixarmos de ver refletido nele aquilo que queremos esconder em nós. Seria a “morte” da Sombra. Mas é claro que todos estamos ainda muito longe disso, ou seja, de perdoarmos a nós mesmos pelos nossos defeitos, que é o único perdão desprovido da arrogância de quem se coloca numa posição dominante e o único com o qual deveríamos nos preocupar, pois em relação aos outros não haverá mais o que perdoar quando reconhecermos e aceitarmos nossas deficiências, livres de mágoas e imunes a qualquer tipo de ofensas.
O Perdão não seria necessário nem cabível para Seres em equilíbrio com o Universo, pois não haveria o que perdoar. A necessidade de perdoar decorre sempre de um processo de vitimização de quem se julga ofendido, atacado ou ferido. Deixando de existir esse processo, não há o que perdoar.
Por outro lado, sempre tive a impressão bem distinta de que o perdão entre semelhantes é um ato de arrogância em que a parte ofendida procura se colocar numa posição dominante de poder. No momento em que passamos e exigir esse tipo de reparação, confirmamos de forma inequívoca que continuamos incomodados com alguma coisa e nada garante que o “Perdão” nessas condições trará o esquecimento. Aliás, esquecer também é impossível. A única maneira de perdoar é não permitindo que a vitimização se instale, isto é, não se ofendendo ou magoando por motivos fúteis, o que só é possível se houver consciência de toda integridade do seu Ser, não deixando nada para a Sombra. Assim não haverá nada a ser perdoado, tudo estará em equilíbrio, a vida fluirá suavemente, sem culpa ou arrependimento, este último também um sentimento sombrio e inútil que deveria ser substituído pela firme intenção de não repetir seus erros, pois não há como desfazer o que foi feito, tudo dentro do mais puro espírito de reconhecer e aceitar suas falhas e deficiências e não alimentar a Sombra.
Não há dúvida de que está descrita aqui uma situação ideal, mas que deve ser sempre almejada como possível de ser alcançada, não agora, nem a curto prazo, mas que precisa fazer parte da nossa Esperança de vislumbrar Realidades cada vez maiores e mais abrangentes. É esse tipo de Esperança que sempre me leva a expor ideias como estas, mesmo sabendo que podem não fazer parte do consenso geral, para plantar minhocas nas cabeças da pessoas, deixando, no entanto, que cada um tenha liberdade total para administrar seus minhocários.
